Aclamado pela crítica e carinhosamente acolhido em festivais de destaque do cenário cinematográfico, o longa-metragem 5X Favela, Agora por nós mesmos chegou às telas comerciais nesta sexta-feira, 27 de agosto. A proposta original, da década de 1960, ganhou versão 2010 com voz e energia de cineastas originários de favelas do Rio de Janeiro. Cacá Diegues, um dos realizadores do primeiro filme, foi o mentor e ‘maestro’ do projeto e agora colhe elogios junto com toda a equipe. O filme promete muito.
A Editora do portal do CTAv, Manaíra Carneiro, é também uma das diretoras do 5X Favela – são sete diretores para cinco episódios. Quando o filme foi para Cannes, em maio, ela pediu emprestada uma câmera de foto, outra de vídeo e embarcou de cabelos novos recheada de roupas alinhadas na bagagem. Pedimos a ela que não se preocupasse com o Portal durante a viagem, mas pensasse em algo para escrever sobre a experiência que pudesse ser publicado depois. Eis o resultado.
5x Favela – Agora por nós mesmos no Tapete Vermelho: A Jornada
Manaíra Carneiro*
O filme nasceu de um roteiro coletivo, ou melhor, de um contexto coletivo, todos tinham idéias diferentes para uma possível história, mas com vivências muito parecidas em bairros do Rio de Janeiro tidos como problemáticos e alvo de preconceitos. Essas vivências se juntaram a uma vontade enorme de gritar para o mundo que tal realidade é plural, que há várias vozes nela, e que são capazes de falar por elas mesmas e que podem, ainda, se expressar artisticamente. Daí nasceu o 5x Favela – Agora por nós mesmos, um misto de vontades com envergadura total para o cinema.
Foi nessa empreitada que minha jornada começou, fui convidada para dirigir um dos cinco episódios do filme. Não fazia idéia do que me esperava, parecia o início de uma grande realização e sabia que a experiência seria muito positiva, do resto não tinha conhecimento. Quando a produção se iniciou tive as primeiras pistas do que talvez o filme viesse a ser. Os efeitos desse processo na minha vida começaram a tomar forma: pessoas me reconheciam pelo nome, meus vizinhos começaram a me admirar e, claro, uma total falta de tempo tomou conta da minha vida e me privou de quaisquer relações extraconjugais – estava casada com o filme a partir daquele momento.
Enquanto trocava umas dúvidas por outras, durante todo o processo sabia muito bem o que eu não queria no filme, sabia exatamente como o Maycon não poderia agir e o que ele deveria falar, e foram essas escolhas que fizeram com que meu grito saísse através dele. Durante as filmagens todas as dúvidas não podiam mais sê-las, viraram certezas de uma grande realização. Com uma equipe de ponta, o bom humor sempre esteve presente a cada dificuldade: o plano de filmagem muito apertado, o caminhão do lixo que fazia barulho na madrugada numa das locações; o movimento com grua que virou um travelling e depois uma pan, logo em seguida já era um plano fixo.
Tive a sensação de que nada de novo sairia daquela linguagem que estudei durante a preparação. Nela, a cada dia me esforçava para contar aquela história da melhor maneira possível, pensava nos meus vizinhos, nos críticos, no Cacá. Na verdade sabia que dali sairia um reflexo da forma como penso e um pedaço da minha personalidade, pois as cenas do roteiro já tomavam posse de momentos da minha vida. Achei melhor não escrever nada daquilo no meu diário, estas cenas pela primeira vez seriam registradas num filme. No fim, tudo sempre dá certo, acabou que o plano fixo ficou perfeito, devo agradecer a falta de tempo e ao caminhão do lixo! Quando se filma em locação o ambiente interfere em tudo, não se pode ignorá-lo, o melhor é tentar usá-lo para enriquecer a obra. Pelo menos é esse discurso adotado quando o filme está pronto, tudo é uma coisa só e o grilo barulhento na cena silenciosa ganha sentido (e até prêmios).
Agora não há mais volta, as escolhas foram feitas e serão as certas daqui pra frente, a trajetória chegou ao seu ponto de não retorno com o auxílio de um mentor memorável e solidário. O filme é consumado em sua exibição, só com ela, é possível se fazer existir. Tivemos algumas exibições para a equipe e para alguns críticos depois de todo o processo de finalização por qual ele passou: edição de imagem e de som, mixagem, foley, ADR, correção de cor, dublagem, etc. Estas exibições me trouxeram, cada uma, um sentimento único e especial. Ali tudo fez sentido, é o retorno de todo o trabalho. Vi que o filme atingiu as pessoas que esperava atingir, que elas se emocionaram, questionaram, soltaram grandes gargalhadas e no fim aplaudiram.
Tive uma catarse no fim daquele frio na barriga e o receio de não retribuir as expectativas daquele público. É como andar numa montanha russa, como se o número de pessoas na sala fosse equivalente à altura da montanha. Você olha e diz: “já era, agora só me resta seguir em frente”. No pico da montanha, ou bem no clímax do filme, eu pensei: é agora ou nunca! Quando se fecha os olhos e apenas se ouve os suspiros, choros ou gargalhadas, passa rápido, tem gente que desce a montanha russa desesperado para sair. Mas quem gosta da experiência espera os créditos para dar ao cérebro o tempo de digestão da história e ao coração a calma para a volta à realidade.
Cannes – Segunda Feira, dia 17 de Maio deste ano, depois de 12 horas de vôo Brasil- França, desembarquei em Nice, cidade vizinha a Cannes. Já no aeroporto havia uma comitiva de carros super luxuosos nos aguardando. Meu pensamento continuava nas nuvens, ainda estava zonza com o fuso horário e sem ouvir quase nada. A viajem foi cansativa. Quando entrei no carro foi o começo de tudo. Minha aterrisagem em solo francês realmente teve início ali, preparava-me para uma comunicação em língua estrangeira. Pedi para o motorista abrir o teto solar. O céu estava azul como no Rio e o ar seco como em Brasília, não fazia frio nem calor – 19 graus -, batia um vento frio à sombra e um calor intenso fora da sombra. Chegamos ao Hotel Embassy, bem perto da Croisset, a correria era geral, tínhamos um pouco mais de uma hora para comer e se arrumar para a Marché du film.
Não sabia o que ia fazer lá, o que tinha era um vestido de gala amarrotado, uma sandália muito alta que escorregava do meu pé. Precisava descansar meia hora apenas, deitei na cama, mas minha cabeça não parava um segundo. “Como se diz ferro de passar em Francês?” Luciana também não sabia, ela foi desesperada atrás da camareira e conseguiu se comunicar com seu francês enrolado, por sorte a camareira era gente boa. Descobrimos uma semelhança na língua que me deixou mais à vontade. Se diz: “Ferrô de passé”…UFA!
No banheiro não tem chuveiro, tem uma banheira e um chuveirinho médio que se encaixa logo acima na banheira. Até eu descobrir isso foram uns dez minutos do meu pouco tempo. “Preciso ligar para casa” – esse pensamento me vinha como flash, intercalado com todos os outros. “Que horas são afinal de contas?” Essa cidade não tem relógios como no Rio. “Preciso descobrir como se pergunta as horas em francês também”. Logo Tereza ligava falando que tínhamos que descer e que íamos andando pela croisette.
A croisste é uma rua a beira Mar que dá no tapete vermelho, seria o nosso ‘calçadão de Copacabana’. Eu andava e varias fotógrafos tiravam fotos, não estava entendendo nada. Devia ser o fuso. Chegamos, enfim, à entrada da Marche. À minha frente, Agnés Varda, de quem sou muito fã. Minhas pernas começaram a tremer, tive dúvidas se conseguiria caminhar até o alto da escada onde estava o presidente do Festival para nos dar as boas vindas. Nas laterais, milhares de fotógrafos e na cabeça a tentativa de fazer tudo direito como tinha sido instruída num ensaio de 15 minutos. Todos deram os braços, era uma entrada triunfal, coletiva. Ao meu lado, meus novos amigos de estrada. Depois da sessão do filme em Cannes, a sensação de missão cumprida, a espera pela estréia no Brasil, e a volta para casa com o elixir mágico, o sinal de uma profunda transformação.
*Manaíra Carneiro é diretora do episódio “Fonte de Renda”, do longa-metragem 5X Favela – Agora por nós mesmos, e editora do Portal do CTAv.
Assista ao Trailer do Filme:
