Marcone Simões operando a truca de 35 mm

Em um ano em que a Academia teve como grandes vencedores dois filmes que retornam aos primórdios do cinema, “O Artista”, mudo e em preto e branco e “A invenção de Hugo Cabret”, que homenageia o cineasta francês George Méliès, é finalizado no Brasil um filme que retoma as antigas técnicas de se fazer uma animação.

Com uma estética nostálgica, “Vitória-Régia é uma animação em curta metragem que narra uma antiga lenda amazônica, a lenda da Vitória-Régia. O filme, feito em co-produção com o CTAv,  utilizou técnicas muito peculiares, como o uso da truca 35 mm e do acetato pintado a mão, apresentando um caráter muito mais artesanal frente as possibilidades modernas que a tecnologia permite.

Marcone Simões foi responsável pelo roteiro, pela produção e direção do curta. O processo transcorreu lentamente, pois tanto ele, como o diretor de animação Ivo Almico, dividiam o tempo dedicado ao filme com outras atividades profissionais. No início de 2012,  o filme  finalmente foi concluído e já está pronto para ser exibido em festivais.

Confira abaixo a entrevista que o diretor Marcone Simões concedeu ao site do CTAv e saiba um pouco mais sobre o seu novo filme:

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CTAv>>Como foi a história do início do seu envolvimento com o cinema ?

Marcone Simões – Eu lembro que na minha infância eu desenhei uma série de imagens em papel tamanho A4 ilustrando o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro e colei as folhas formando um rolo. Mostrei o “filme” para a meninada do bairro e até adultos queriam ver o filme que passava enquanto um “assistente” girava dois pedaços de cabo de vassoura e eu fazia a narração. Aí, acredito, nasceu meu desejo de fazer cinema, mas anos depois me formei Engenheiro Civil e os filmes tiveram que esperar.

Estudo da capa para o curta Vitória Régia

CTAv>> E o processo entre esse desejo e a realidade de se tornar um cineasta?

Marcone Simões – Trabalhei no Banco do Brasil onde terminei por colaborar com a produção de vídeos educativos para a Universidade Coorporativa do BB.  Nesta época comecei a fazer cursos de roteiro com Orlando Senna, José Louzeiro, Joaquim de Assis, Syd Field e também a ler os livros de Doc Comparato. Em 1994, resolvi complementar uma formação livre em cinema na Escuela de Cine y TV de San Antonio de Los Baños, em Cuba. Por dois semestres, tive uma excelente experiência em dramaturgia, som para o cinema e produção cinematográfica. Lá escrevi o roteiro e dirigi um curta “Me Hace Volar”, em 16mm, do gênero ficção, protagonizado pela  atriz brasileira Conceição Senna. Foi uma experiência magnífica, pois a Escuela transpira cinema nas 24 horas do dia. A seguir participei do Animathon, uma maratona de animação conduzida pelo canadense André Leduc, durante o Anima Mundi 1995,  no Rio, realizando o filme de animação “Santos Dumont” de 35 segundos em 16mm, onde escrevi o roteiro e fiz todos os desenhos finalizados com lápis de cor: tudo em 3 dias (de 20 horas trabalhadas cada). Daí iniciei uma longa pesquisa sobre Santos Dumont e escrevi o roteiro para um longa, uma biografia romanceada da vida do nosso maior inventor. Ele continua inédito e espero realizá-lo nos próximos  anos.

Imagens de Me hace volar

CTAv>>O projeto de seu último filme, Vitória-Régia, começou em outubro de 1999 e no ano passado foi retomado, somente sendo finalizado esse ano. O que aconteceu?

Marcone Simões – Mesmo trabalhando no sistema “part-time”, em dois anos eu e o Ivo Almico terminamos todo o trabalho no acetato que era previamente delineado em nanquim com caneta bico de pena e pintado a cor com tinta PVA  “quadro a quadro”, um trabalho extremamente delicado e preciso, sem contar com os cenários que são pinturas feitas com tinta acrílica. Aconteceu que logo a seguir tanto eu quanto o Ivo Almico ficamos sem disponibilidade de tempo e, como fui trabalhar em outra cidade, o projeto ficou parado, mas encomendei a trilha sonora ao Alexandre de Faria, e no ano passado finalizamos os créditos com o Maurício Maia, e agora em janeiro obtivemos a cópia final. Foi um parto lento mas valeu!

CTAv>> “Vitória-Régia” narra a história de uma antiga lenda indígena da Amazônia. Existe alguma ligação, pessoal e de sua obra, com o folclore popular brasileiro e com essa lenda em questão?

Marcone Simões – As lendas brasileiras sempre me encantaram mais que os contos de fadas da literatura tradicional. Eu vivi toda minha infância num decadente Engenho de Cana de Açúcar, em Pernambuco, e ouvia dos colonos as estórias do “caipora” e eu ficava arrepiado. Eram pessoas narrando o que tinham vivido (ou imaginado), mas era uma experiência narrada diretamente por quem supostamente tivera uma experiência fantástica. Vem daí meu gosto por descobrir estes mitos do folclore brasileiro.  Eu tomava banho no Rio Pirangi e quando estava só eu imaginava que poderia aparecer uma sereia vinda do fundo do rio, na verdade todos os mitos ligados  às águas sempre me trouxeram um misto de sedução e medo.

CTAv>> Existia alguma intenção nessa obra de servir ao propósito de conscientizar sobre a própria cultura nacional?

Marcone Simões – Sim. Conhecer os mitos e as lendas dos povos indígenas brasileiros nos leva a refletir sobre os valores universais e a uma maior consciência de nossa cultura, sem esquecer do enriquecimento vocabular e do sentimento elevado de ligação do homem com o planeta: sua casa no universo.

CTAv>> Porque a ideia de retomar técnicas antigas como o uso da truca35 mme do filme de acetato de celulose (o chamado safety film)?

Paleta de cores

Marcone Simões – Eu queria saber como a Disney fez suas primeiras animações que eu assisti quando criança,  mas eu queria saber fazendo. O acetato me mostrou uma grande oportunidade de pensar o quadro no cinema, as questões do movimento, da continuidade da cor, do sincronismo, da transparência, da luz: é como se tivéssemos que pintar cada fotograma de um filme atual numa tela gigantesca. Tudo é ampliado e necessita ser pensado. A boa animação não tem nem corte: o filme já nasce montado. É uma verdadeira escola para quem deseja conhecer as questões técnicas para produzir imagem em movimento.

CTAv>> Ao mesmo passo que o uso de acetato restaura uma possibilidade de uma estética mais conceitual, ele também comporta um risco, o da síndrome do vinagre. Quais serão as condições especiais empregadas para o armazenamento desse trabalho?

Marcone Simões – O acetato na animação é utilizado apenas como suporte temporário da imagem em movimento. Após a impressão do negativo, na Truca, o filme vai para revelação num laboratório de cinema, e retorna já finalizado, no suporte que você desejar. O meio digital a princípio nos garante uma preservação do produto final sem geração de resíduos tóxicos e o acetato em si já pode ser descartado, é claro que dá pena jogar fora toda aquela massa de imagens pintadas à mão. O negativo em película deve ser preservado também seguindo os padrões de preservação adotados inclusive pelo CTAv, que dispõe de estrutura moderna e adequada para preservação este material.

CTAv>> Como foi o processo de concepção e construção do filme? Que particularidades você pôde distinguir nessa produção em especial?

Diretor de Animação - Ivo Almico

Marcone Simões – As lendas indígenas brasileiras têm várias versões dependendo da região, a primeira questão foi ver o que havia de comum nas diversas versões colhidas em livros de autores e pesquisadores conhecidos. A partir daí vem o trabalho do cineasta que é converter uma narrativa em imagens e sons. Decidi que não haveria diálogo, narrativa ou legenda, pois queria um filme que fosse visto por qualquer pessoa no planeta, sem o bloqueio da língua local. A partir daí criamos as sequências para serem conduzidas apenas pela música. Acredito, que como no tempo dos cineclubes, o filme é bom para gerar uma discussão após sua apresentação, e aí vem a voz do espectador para dialogar com a obra.

CTAv>>Conte um pouco sobre o papel da trilha sonora desse filme.

Marcone Simões – Num filme sem voz, sem narração e sem legenda (como aquela que aparecia nos filmes mudos), a música tem um papel fundamental para fazer as marcações nas diversas situações dramáticas e cria o clima para a melhor compreensão da cena. O Maestro e Compositor  Alexandre de Faria tem grande experiência com música e imagem e fiquei muito feliz com o resultado. É um trabalho e tanto. Só ouvindo, isto é, só vendo e ouvindo ao mesmo tempo!

CTAv>> Em que consistiu essa co-produção do CTAv e como ela auxiliou a viabilizar o projeto?

Marcone Simões – Durante a produção utilizamos as mesas de animação do CTAv.  O negativo do filme (cenários composto com lâminas de acetato) foi impresso em sua Truca de 35mm.  E eu estou muito satisfeito com o produto final que contou também com apoio e orientação da equipe técnica do CTAv, desde a pré-produção até a finalização.

CTAv>> Como você planeja o plano de exibição e distribuição do curta?

Marcone Simões – Iniciar com a inscrição do filme em festivais nacionais e internacionais e depois disponibilizar para TV a cabo e redes de TV educativas abertas e fechadas. Pensamos em lançar um DVD com o making-off que ainda não foi feito, mas que seria um documentário complementar a produção do filme bastante interessante, não só pela curiosidade que a técnica desperta, como também pela capacidade de provocar e estimular desenvolvimento de talentos. Ainda temos a possibilidade de disponibilizar a aquisição do direito de exibição via Internet, estamos pensando como fazer.

CTAv>>Quais são os seus projetos futuros?

Cavani Rosas trabalhando em Santos Dumont

Marcone Simões – Neste momento estou revisando o roteiro do “Santos Dumont nos Céus de Paris” um desenho animado com 15 minutos de duração para o qual eu convidei o Artista Pernambucano Cavani Rosas para fazer toda a concepção de cena e de personagem a partir de um story-board original no qual já trabalhamos. Este projeto tal qual o Animathon tem data de início e fim e assim deverá ficar pronto no final deste ano com lançamento previsto para início de 2013. Estamos buscando patrocínio para realizá-lo, pois já temos a estrutura técnica para sua realização. É um filme para inspirar a juventude mas é também para todas as idades, pois  divulga os feitos de um brasileiro que realizou um sonho milenar da Homem: Voar! O primeiro automóvel a chegar ao Brasil foi um Peugeot Vis a Vis de 1898 que Santos Dumont trouxe num de seus retornos ao País, também criou o relógio de pulso e tinha uma elevada consciência ecológica e social. Sua façanha ao resolver o problema da dirigibilidade dos aeróstatos espantou todo o mundo e marca a criação da aeronáutica mundial. Seu vôo com o 14-bis foi notícia nos quatro cantos do mundo como constatado no meu arquivo pessoal que contém cópia de mais de dez mil recortes de jornal de época. Estamos fechando a equipe para produzir este curta ao qual dedicarei toda minha energia neste ano.

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