Tetê Mattos no Araribóia Cine

Neste mês, a convidada do Espaço do Especialista é Tetê Mattos. Tetê é mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense e professora do Departamento de Arte desta Universidade, onde ministra disciplinas para o curso de graduação em Produção Cultural. É diretora do IBEFEST- Instituto Brasileiro de Estudos de Festivais Audiovisuais e integra a diretoria do Fórum dos Festivais desde de 2005. Dirigiu os documentários premiados “Era Araribóia um Astronauta?” (RJ, 27min, cor, 16mm, 1998) e “A Maldita” (RJ, 20min, cor, 35mm, 2007). Desde 2005 participa como curadora da mostra competitiva de curtas-metragens nacionais do Amazonas Film Festival e é idealizadora e diretora da mostra Araribóia Cine – Festival de Niterói, que encontra-se na décima primeira edição.

Grande conhecedora do cenário de festivais no Brasil, este mês, Tetê Mattos discorre no Espaço do Especialista sobre esses importantes eventos que dinamizam o audiovisual brasileiro. Confira a seguir a entrevista concedida ao CTAv:

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CTAv>>>O que um organizador/produtor tem que ter em vista primordialmente ao idealizar um novo festival?

Acredito que primeiramente ao idealizar um festival de cinema o produtor deve identificar qual o perfil do seu festival e o porquê da sua importância naquela localidade, levando em consideração os elementos identitários daquela região. Também é importante refletir sobre o diferencial deste novo evento frente aos festivais de cinema já existentes. Desta forma ele estará definindo uma série de questões fundamentais para a sua sustentabilidade. Quando me refiro a sustentabilidade, estou pensando nela nos diversos campos: a sustentabilidade econômica, política, social, mas a mais importante a meu ver que é a sustentabilidade cultural do evento. O produtor deverá refletir sobre inúmeras questões para além do seu perfil.  Como o festival será estruturado? Quem será o proponente? Quais as estratégias de patrocínio? Como irá se estruturar a equipe de produção? Como será a programação? Quais as expectativas? Como se articulará com a comunidade local? Como buscar a participação do público? Qual o foco? Quais as estratégias de mídia? Ou seja, todas estas questões devem ser prospectadas para que o festival possa ser criado, mas também que tenha a continuidade.

CTAV>>>Explique para os usuários a diferença de festival e mostra de cinema.

Na verdade esta diferença terminológica não existe empiricamente. Inicialmente observávamos uma tendência em atribuir ao termo “festival” um caráter competitivo, e ao termo “mostra” era atribuído o conceito de apenas a exibição de filmes. Mas hoje podemos observar que esta diferenciação não se sustenta conceitualmente se tomarmos  como exemplo diversos festivais. Só para citar alguns poucos exemplos: A Mostra de São Paulo, surgiu não competitiva e hoje possui competição. O Festival do Rio, evento do mesmo porte, inicialmente era mais importante pela exibição dos títulos do que pelo seu caráter competitivo. Atualmente a competição do no Festival do Rio possui forte   importância no meio audiovisual. Por sua vez o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo nasceu sem o caráter competitivo. A etimologia da palavra “Festival” vem do derivado do latim festivus, que significa “festivo, grande festa, espetáculo”. E acho que aí esta a pista para refletir sobre o conceito de festivais.

CTAv>>>Quais as formas mais utilizadas de viabilizar financeiramente o projeto de um festival?

Quando nos referimos ao segmento dos festivais de cinema estamos falando de um circuito composto por mais de 240 eventos com perfis e portes muito diferenciados. E esta diferenciação também reflete na forma de financiamento. Em geral os festivais de grande e médio porte são financiados por patrocínios de empresas privadas, sejam elas através das leis de incentivo fiscal, ou investimento direto sem utilização de leis. Algumas empresas optaram pelo patrocínio através de editais como é o caso da Petrobras (que de todas elas é quem seleciona o maior número de projetos), da Eletrobras, da Oi Futuro, dos Correios, da Caixa Econômica, do CCBB, e mais recentemente vimos a entrada do BNDES neste circuito. A modalidade de patrocínios por editais na iniciativa pública também pode ser observada em alguns poucos estados.  Destacamos o estado da Bahia, pioneiro na criação de um edital regional exclusivo para festivais, o Estado do Rio de Janeiro (que no primeiro ao realizou o seu edital junto com a Riofilme), e estados de Pernambuco e São Paulo, que também apresentam modalidades de financiamento para este segmento. Alguns festivais também recebiam o apoio do Fundo Nacional de Cultura da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, apoio este interrompido no ano passado por uma vedação na Lei de diretrizes orçamentária, de 2011. Mas observamos também, especialmente em festivais de pequenos porte, a viabilização dos seus eventos com recursos locais, seja através de uma secretaria municipal, seja através do comércio local. Nem sempre o aporte vem de áreas especificas da cultura. Alguns festivais, dependendo do seu perfil, buscam apoios em outros departamentos, como as áreas da educação, do planejamento, ou da assistência social, para ficarmos em alguns poucos exemplos.

CTAv>>>Quais são os desafios para localizar e atrair o público específico da proposta de um festival? E que mecanismos têm se mostrado mais eficazes?

Festival em Clermont-Ferrand

De fato é um enorme desafio do organizador de um festival mobilizar o público para as suas sessões, especialmente porque nem sempre ele está trabalhando com um produto de fácil assimilação do público em geral.  E como também estamos trabalhando com um segmento muito heterogêneo as estratégias serão diferenciadas a partir dos perfis dos eventos, e dos orçamentos disponíveis. Mas podemos fazer algumas generalizações que são comuns a praticamente todo tipo de evento. O forte investimento em mídia tem sido uma ferramenta importante. Se utilizarmos como exemplo os festivais de grande porte como Festival do Rio, Cine PE e Anima Mundi, observamos um forte investimento de divulgação em canais de comunicação massivos como as TVs abertas, por exemplo. Já um festival para um público mais segmentado como é o caso do Visões Periféricas (voltado para a produção da periferia), do Festival Brasileiro de Cinema Universitário, as estratégias de divulgação podem ser pensadas junto ao segmento específico.

Mas todas as estratégias de divulgação só possuem eficácia se o festival tiver uma programação qualificada frente ao seu perfil. Acreditamos também que a presença dos profissionais envolvidos com a criação das obras (diretores, atores, produtores, técnicos, etc.) geram um atrativo a mais que deve ser levado em conta pelos organizadores dos festivais. Uma pergunta que sempre deve ser feita: o que faz com que o público saia de casa para assistir o filme num festival de cinema?

CTAv>>>Cada vez mais aumenta o número de festivais com atividades interativas com o público, tais como debates, oficinas e palestras. Como você avalia essa incorporação na programação dos festivais?

Podemos afirmar que esta é uma característica que está presente desde os primeiros festivais que temos notícia no Brasil, na década de 50. O Festival Internacional de Cinema do Brasil, que teve uma única edição, realizado na cidade de São Paulo em 1954, e idealizado pelo teórico e crítico Paulo Emílio Salles Gomes, teve ênfase no caráter não competitivo e apostou em mostras informativas e em cursos de formação e debates.  O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo do país, sempre manteve na sua programação um viés de reflexão e debate. Acredito que estas características dos debates, das oficinas e das palestras, não só são fundamentais para a formação e qualificação de novos produtores audiovisuais, mas para a própria transformação da sociedade, em especial a localidade em que o festival acontece.  Além destas características observamos que os festivais também atuam no campo da produção, promovendo concursos em seus eventos que viabilizam a realização de obras audiovisuais. É o caso do Amazonas Film Festival (AM) que realiza um concurso de roteiro no valor de R$80.000,00 e o roteiro vencedor deverá ser filmado e estrear no ano seguinte no festival. Ou o Festival Brasileiro de Cinema Universitário que promove o concurso Sal Grosso, que viabiliza uma produção envolvendo as escolas de cinema do país. No campo da preservação, alguns festivais viabilizam a restauração de obras de cineastas homenageados. Ou dedicam a sua temática à preservação, como é o caso do CineOp, realizado em Ouro Preto (MG). Do ponto de vista da articulação política, muitos festivais também promovem encontros de entidades do audiovisual, ajudando na articulação dos diversos segmentos. Ou seja, os festivais atuam para além dos seus objetivos primeiros de difusão e promoção do produto audiovisual.

CTAv>>>Que impacto você avalia para a categoria de curtas e médias metragens brasileiros após o aumento significativo de festivais completamente voltados para eles?

Os festivais de cinema e vídeo são a principal janela de exibição dos curtas e médias metragens em tela grande. Obviamente que o surgimento dos novos festivais se dá justamente pelo aumento da produção audiovisual (sem filmes não há festivais), e pela limitação do parque exibidor brasileiro (somente 8% dos municípios possuem salas de exibição comercial). Os curtas e médias metragens estão praticamente alijados das salas de exibição comerciais, desta forma os festivais procuram atuar nas ausências e lacunas não só da exibição, mas como nos outros segmentos que vimos acima (produção, reflexão, formação, articulação política, etc…)

CTAv>>>A aceitação de filmes em formato digital em boa parte dos festivais afetou de forma expressiva a quantidade de inscritos? E em que outras variáveis mais foram verificadas alteração?

Divulgação/

Sem dúvida.  Acreditamos que nos últimos anos assistimos um enorme crescimento da produção audiovisual por diversos motivos. O primeiro deles deve-se ao barateamento da produção devido às novas tecnologias digitais, tornando o fazer cinema uma atividade muito mais democrática, e possível para qualquer cidadão. Um outro aspecto a ser destacado foi uma política de regionalização que estimulou a criação de editais de produção federais, regionais e municipais para os estados. O surgimento de inúmeras escolas de audiovisual e a criação de inúmeros Pontos de Cultura realizando ações no campo audiovisual também contribuíram para o aumento desta produção. Destacamos também uma forte política de editais federais públicos para a produção (edital para  produção de curtas de animação, de ficção, experimental, documentário, produção de filmes de escolas, produção de curtas de egressos de movimentos populares, entre outros.)

O aspecto tecnológico não só alterou significativamente a quantidade de filmes inscritos, como também alterou as formas de exibição destas obras. Por um lado, podemos afirmar que muitos festivais só surgiram pelo fato de terem acesso a equipamentos de projeção e cópias de exibição de boa qualidade de forma muito mais barata. Não seria possível o surgimento de tantos festivais se não tivéssemos uma maior democratização devido às novas tecnologias. Por outro lado, estamos nos deparando com um grande desafio que é a exibição destas obras em formato digital. E este desafio deve ser encarado não só pelo organizador do festival, mas também pelos produtores dos filmes. O fato de não termos uma padronização de formato de exibição, uma tecnologia que muda a cada dia, faz  com que esta questão mereça uma especial atenção dos envolvidos – produtores e exibidores. Lembramos que praticamente todos os festivais são realizados (ou fazem alguma exibição) em salas adaptadas para a exibição audiovisual.

Quanto às outras alterações, acreditamos que uma das características inerentes aos festivais é apresentar novidades sobre o audiovisual, e desta forma faz parte da sua atividade estar sempre se reinventando. Este é um desafio do produtor do evento.

CTAv>>>Em sua experiência de produção em festivais, como você definiria a importância do festival para o diretor, produtor e ator estreante?

São inúmeras. Acreditamos que um festival, independente do seu porte e perfil, se estiver cumprindo o seu objetivo cultural, ele terá uma importante significação na dinâmica cultural da sociedade. O teórico Teixeira Coelho afirma que os eventos possuem uma capacidade arregimentadora e uma forte significação cultural como estimuladores e multiplicadores da ação de agentes e produtores culturais.

Só para citar alguns exemplos, vejamos o caso do Anima Mundi. Em sua primeira edição, em 1993, o festival exibiu pouquíssimas obras brasileiras, devido a escassez de filmes nacionais de animação. Ao longo dos anos, o festival que sempre realizou ações no âmbito da formação (promovendo oficinas, workshops e debates), passou a ter o Brasil como o país com maior número de obras inscritas. Atribuímos ao Anima Mundi um papel estratégico no estímulo no desenvolvimento da produção de animação brasileira.

Os debates realizados no Festival Brasileiro de Cinema Universitário ao longo dos seus 16 anos foram fundamentais para a formação de jovens cineastas no país, e certamente contribuíram para o surgimento de uma geração de cineastas mais críticos e reflexivos.

É muito comum observarmos que depois da criação de um festival, a produção audiovisual daquela localidade aumenta.

Falando mais especificamente do ponto de vista do diretor e do ator, um festival proporciona uma enorme visibilidade da obra e um contato direto com os espectadores, que através dos debates, das coletivas de imprensa e até mesmo da circulação dos artistas nos espaços do festival podem trocar opiniões sobre as obras. Um festival também possui forte interesse na cobertura da mídia, contribuindo para a difusão de uma determinada obra, ou até mesmo podendo ajudar na carreira comercial de um determinado filme.

Um festival tem a sua potencialidade na mediação que ele faz entre a obra FILME e o seu publico. E dentro da cadeia do audiovisual ele tem a sua singularidade, sendo uma peça importante para a sua engrenagem.

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Entrevista por Carolina Balo

Para conhecer mais sobre Teresa Mattos você pode acessar seu Curriculum Vitae na Plataforma Lattes aqui.