Humberto Mauro navegava pelas águas da disponibilidade quando embarcou nesse projeto. Originalmente, tratava-se de um curta-metragem, versando sobre a cultura do cacau, para cuja produção o documentarista Afonso Campiglia obteve financiamento com o Instituto do Cacau da Bahia.

O Instituto era um órgão governamental, controlado e a serviço dos ricos cacauicultores do Sul da Bahia. Seu presidente, Ignácio de Tosta, tinha interesse em divulgar na capital da República as atividades do Instituto. Campiglia era um pequeno produtor independente – sua empresa era a Brasília Filmes – experimentado em produções desse tipo: os filmes de cavação, os documentários sob encomenda.

Com a entrada em vigor do decreto de obrigatoriedade de exibição do complemento nacional, produtores do porte de Campiglia saíam de uma situação de marginalidade/discriminação e alcançavam, com o amparo da lei, o status de realizadores oficiais, ou quase isso, pois é do cofre de instituições públicas que vai sair o “cacau” para a maioria dessas produções de exortação e divulgação.

Sabendo da boa situação financeira do Instituto, Campiglia convence seu presidente a ampliar o projeto para uma série de cinco pequenos filmes históricos, versando sobre outros temas da vida e cultura baianas, além do plantio do cacau. Ignácio de Tosta contrapõe outro projeto, na medida exata de suas ambições políticas: um filme sobre o Descobrimento.

O rolo está feito e o projeto de Tosta/Campiglia é apresentado ao diretor Luiz de Barros (Lulu), que muito ao seu feito, não nega fogo. Lulu já tinha no currículo a mais vasta e desigual filmografia do Brasil.

Lulu inicia os testes com os atores e Campiglia coordena o início da construção da nau num estaleiro na praia de Jurujuba, em Niterói. Uma semana antes do início das filmagens, Lulu abandona a produção por um contrato fixo com a Cinédia.

O roteiro de O descobrimento do Brasil foi discutido com o historiador Affonso E.Taunay, do Instituto Histórico e Geográfico, e com o acadêmico Edgard Roquette-Pinto, o que demonstra o caráter oficial que a produção passou a ter.

A Roquette-Pinto é atribuído o afastamento do produtor Campiglia e sua substituição por Humberto Mauro. Roquette já conhecia e admirava alguns trabalhos do cineasta.

Quando Mauro assumiu o projeto, alguns atores já estavam escolhidos e umas poucas filmagens haviam sido realizadas pelo fotógrafo Alberto Botelho. Mauro, à exceção dos atores, mudou tudo. Os interiores da nau, tombadilho e gabinete foram filmados nos estúdios de Carmen Santos. Na praia de Jurujuba, em Niterói, foram realizadas as cenas de desembarque e da Primeira Missa. As coreografias e o gestual dos índios foram inspirados nos filmes realizados pelo major Tomás Reis, cinegrafista nas expedições de Cândido Rondon.

A produção se arrastou por todo o ano de 1936 e consumiu cerca de 500 contos, uma fábula, em se tratando de um filme brasileiro. Só dez anos depois, com Inconfidência mineira, Carmen Santos vai superar essa cifra. Encerradas as filmagens, Mauro mostrou o copião ao maestro Villa-Lobos, que compôs uma trilha original, uma suíte orquestral, que se tornaria umas das peças mais consagradas do compositor.

Mauro gabava-se de ter participado da gravação – realizada no estúdio de som de Fausto Muniz – sob a regência do próprio maestro. Substituiu um violinista faltoso, valendo-se de alguns conhecimentos musicais adquiridos em saraus no tempo da juvenília em Cataguases.

Mauro e Villa-Lobos tornar-se-iam amigos fraternos. A cidade não era desconhecida do maestro. Seu pai, jornalista e bibliotecário, desafeto do presidente Floriano Peixoto e por ele perseguido, buscara refúgio em Cataguases no início do regime republicano.

O lançamento de O descobrimento do Brasil, a 6 de dezembro de 1937, foi antecedido por muita propaganda nos jornais, rádios e sessões privées para autoridades. Um mês antes, no dia 10 de novembro, Getúlio Vargas fechara o Congresso Nacional e decretara o Estado Novo, instalando um regime ditatorial. Tempos de supressão das liberdades e de censura.

Apesar de todo esse esforço de divulgação, a fita não logrou sucesso de público e crítica, nem no Brasil nem em Portugal, onde também foi exibida. O escritor Graciliano Ramos – recém-nascido da prisão, onde permanecera por dois anos, acusado de simpatias com a insurreição comunista de 1935 – em um de seus poucos escritos sobre o cinema, elogiou as “admiráveis cenas” do filme, mas desancou o tratamento cordial e romântico dado a esse primeiro encontro entre portugueses e indígenas. A pouca repercussão do filme não se constituiu em naufrágio para a carreira de Mauro. Durante as filmagens, ele já acertara com Roquette-Pinto seu ingresso no Instituto Nacional do Cinema Educativo. Mauro começa a trabalhar no INCE e será seu diretor técnico até 1967.

Em O descobrimento do Brasil, Mauro parte para as filmagens como se estivesse com uma câmara na mão na frota de Cabral. Sua visão dos acontecimentos estará, dessa forma, condicionada pela do conquistador, que o transporta pelo Atlântico até a Bahia. Para isso Humberto Mauro se utiliza de dois dos mais importantes documentos sobre esse ato inaugural do país: a carta de Pero Vaz de Caminha e o quadro de Vitor Meireles.

“Tentei contar o fato como se fosse um repórter filmando dentro do barco de Cabral. A caravela que construí para O descobrimento do Brasil navegou até quase a entrada da barra da Baía da Guanabara, durante as filmagens, e não houve problemas. Só que tratei de instalar minha caravela dentro de uma chata e era como ela navegava. Mas não afundou, nem mesmo quando romperam as amarras durante uma noite, e fomos localizá-la desgarrada nas bandas de Niterói.” (Humberto Mauro, 1975).

[Andries, André. O cinema de Humberto Mauro, FUNARTE: Rio de Janeiro 2001]