Em razão da inauguração do PLANO GERAL, o CTAv convidou o cineasta Roberto Farias para escrever sobre O Assalto ao Trem Pagador, uma vez que o DVD do filme, co-produzido pelo CTAv, está sendo sorteado através do nosso site. No texto, Roberto fala sobre como foi dirigir o filme e os obstáculos enfrentados até a sua finalização.
1961 era um tempo em que fazer cinema significava investir dinheiro com esperança de reavê-lo com lucros na bilheteria. Ou seja o risco era enorme. O roteiro escrito com a colaboração do Luiz Carlos Barreto já estava pronto. José Luiz Magalhães Lins no Banco Nacional de Minas Gerais se dispôs a emprestar 100% dos recursos necessários à realização do filme num acordo de co-produção com Herbert Richers e as filmagens já tinham data para começar.
O principal problema começou neste momento. Naquele tempo, a Pelmex tinha vários cinemas no Brasil e em vários países da América do Sul e do Norte. Era uma força e a produção mexicana também. Fui chamado por Murilo Lopos, antigo companheiro da Atlântida que agora trabalhava na Pelmex no Brasil para um encontro com um tal de Henriquez, o chefão da Pelmex. Henriquez me ameaçou, dizendo que eu não podia fazer meu filme porque eles haviam comprado os direitos sobre a vida de Perpétuo de Freitas, um policial famoso no Rio de Janeiro, verdadeiro mito, que era uma das principais figuras da prisão dos bandidos do Assalto Ao Trem Pagador – o verdadeiro, no qual eu baseara meu roteiro. A Pelmex encomendara um roteiro ao escritor Orígenes Lessa e iria produzir um filme em cores e Cinemascope sobre o mesmo assunto,dirigido por um mexicano. A conversa foi dura, mas ninguém recuou.
Alguns dias depois, fui novamente convidado a conversar com Henriquez. Desta vez, ele estava cordial. Convidou-me a co-dirigir o filme deles e a desistir do meu, oferecendo-me uma boa quantia em dólares. Recusei novamente. Não acredito em co-direção, ainda mais naquelas condições. Sugeri que fizessem o filme deles e eu o meu. Afirmei que o tema dava dois filmes tranquilamente. Ainda mais porque no meu roteiro a importância era dada ao Delegado de Caxias, chefe da ação na prisão dos bandidos e não em Perpétuo de Frentes. Recusei e fui embora. Dias depois, novo chamado. Eles me ofereceram a direção do filme sem o mexicano e a quantia de 10.000 dólares americanos como pagamento e ainda não se importavam se eu fizesse meu filme depois. Balancei. Pedi tempo.
Convidei Jorge Ileli para um papo no escritório do Herbert Richers e convidei-o a dirigir o filme que seria produzido sobre meu roteiro em co-produção com Herbert Richers. E comecei a contar a história que havia escrito. Empolguei o Ileli. Quando terminei, ele estava entusiasmadíssimo. Topou na hora. Mas eu também estava emocionado com minha própria narrativa, tanto que pedi desculpas e desconvidei o Ileli. Não consegui abrir mão da direção do meu filme. Saí dali e fui direto à Pelmex. Henriquez não quis acreditar. “Você vai recusar 10 mil dólares, a direção de um filme em Cinemascope colorido, que vai lançar você como diretor internacional, para produzir um filme em preto e branco com dinheiro emprestado do
Banco Nacional, que você vai ter que pagar?
Foi exatamente o que eu fiz.
Roberto Figueira de Farias é um cineasta brasileiro, natural de Nova Friburgo (Rio de Janeiro), nascido em 27 de março de 1932. Um dos mais habilidosos diretores brasileiros, ao contrário de seus contemporâneos do Cinema Novo, consegue ser um seguro e criativo artesão, especialmente em filmes policiais e de suspense, como os inovadores Cidade Ameaçada e O Assalto ao Trem Pagador, o vigoroso Selva Trágica e o impactante Pra Frente Brasil. Dirigiu os três filmes que Roberto Carlos participou, realizados entre o final da década de 60 e o início da década seguinte, conseguindo algumas das maiores bilheterias da história do nosso cinema. Também se destaca como um dirigente da área cinematográfica, atuando como diretor da Embrafilme em meados dos anos 70, período que coincidiu com o auge da empresa estatal. Ainda hoje milita na política cultural. A partir dos anos 80 trabalha para a televisão, dirigindo minisséries como A Máfia no Brasil e As Noivas de Copacabana, geralmente em parceria com o irmão.