O Centro Técnico Audiovisual é o herdeiro da tradição do relacionamento do Estado brasileiro com a atividade cinematográfica. A fundação do Instituto Nacional do Cinema Educativo, em 1937, já tem alguma semelhança com as finalidades do National Film Board. Suas etapas sucessivas, que o transformaram em Instituto Nacional de Cinema, em 1966 e Empresa Brasileira de Filmes, em 1975 as conservaram parcialmente. Mas em l985, um acordo de cooperação entre o Brasil e o Canadá possibilitou à visão de futuro de Carlos Augusto Calil a urdidura, em conjunto com o National Film Board, da criação do Centro Técnico Audiovisual. Recuperava para o Estado brasileiro o sentido de contribuição social, logo cultural, que havia inspirado o pioneiro Roquette Pinto, responsável pela criação do INCE, há algumas décadas atrás. Às atividades tradicionalmente exercitadas pelos órgãos antecessores, documentação, apoio à produção, difusão, a percepção aguda de Calil, um dos tantos herdeiros do movimento modernista, acrescentou a excelência tecnológica, a formação e a produção de cinema de animação. De maneira premonitória, já levava em conta o papel que a tecnologia viria a desempenhar na trajetória das imagens em movimento e em nossas próprias vidas. A formação profissional prepararia os agentes desta atualização. E o cinema de animação, prioridade para um aspecto praticamente não desenvolvido pela produção brasileira era o novo. Estava tudo lá.
As deficiências de som dos filmes e das salas de projeção do país, historicamente prejudicavam a comunicação do filme brasileiro com seu público. E este foi um dos primeiros aspectos atacados, com a construção de um estúdio de som modelo. A formação de muitos técnicos brasileiros de som ou projeção, de realizadores do cinema de animação, no Canadá, pavimentou um pedaço da estrada sem o qual o cinema brasileiro não seria o que é hoje em matéria de qualidade técnica ou de efervescência criativa no setor de animação. E muito disso foi feito a partir do Centro Técnico Audiovisual. Àqueles canadenses e brasileiros que naquele momento viram o futuro, talvez a mais bela das capacidades humanas, quase metafísicas, só nos resta agradecer. E regozijar.
Recolocada a questão, mais de vinte anos depois, vemos que mudando o que deve ser mudado, a missão daquele momento permanece a mesma. A irrupção da tecnologia digital com sua evolução super acelerada, já mudou a maneira de fazer filmes e de vê-los. As técnicas de digitalização da imagem e do som criaram possibilidades nas quais a excelência está sempre um pouco mais adiante. Logo, a atualização tecnológica se afigura como uma utopia atrás da qual estaremos sempre correndo. Seguramente este é um campo no qual poderemos nos beneficiar da experiência do National Film Board.
A internet repete hoje a conjuntura histórica em que simultaneamente se inventava a imprensa e se descobria o continente americano. Depois, o mundo nunca mais foi o mesmo. E cada vez mais, hoje, o virtual e o real se confundem. Passamos a ter a vida vivida de fato e aquela que se dá na aceleração do fluxo de imagens, sons e caracteres. O cinema e a própria televisão, que como aparelho acreditava que engoliria o computador, estão por ele e nele encontrando uma nova dimensão. Como se dará o consumo futuro do produto audiovisual é seguramente um campo comum, no qual cinematografias originadas de geografias e culturas tão diferenciadas terão o que trocar. O próprio conceito de formação técnica, indissolúvel da ação presencial, ganha pela capacidade de tornar-se virtual uma amplidão que supera a distancia física e que se torna acessível a um número infinito de usuários. Globalização e democratização – ó surpresa – poderão andar juntas. Da mesma forma que uma troca de experiências e saberes entre o Brasil e o Canadá.
O cinema de animação, especialmente adequado à reprodução em novas mídias, tende a possibilitar a superação de barreiras culturais que parecem intransponíveis. A produção de Walt Disney tornou-se um ícone mundial da cultura americana. Os desenhos animados japoneses, que em poucas décadas passaram de uma simplificação de realização a um grande requinte de acabamento, transformaram-se num fenômeno pop, que pelo menos no Brasil, não cessa de crescer. Seguramente a infância representa uma condição humana planetária e transcultural, recuperada pela contemplação do cinema de animação. A própria produção animada para adultos conserva este lado lúdico que pode ligar o humor à representação de fantasias eróticas. De certa forma, a animação sempre foi uma segunda realidade, uma vida virtual. E o exemplo de Norman Mac Laren é disto testemunha cabal. Desenvolver uma cooperação e um intercâmbio neste campo, avançar não só no terreno da técnica, mas também naquele que a torna via de acesso ao imaginário, é um belo cenário para o Canadá e o Brasil.
Dar realidade a estes conceitos pode não ser fácil, mas é só fazer. E como sempre depende de nós.
*Palestra proferida durante o 3º Fórum de Co-Produção Brasil-Canadá realizado de 28 a 29 de fevereiro de 2008, em São Paulo por Gustavo Dahl.